O momento da decisão é um
momento de impiedade. Escolhemos aquilo que é bom para nós, e os outros que se
aguentem. Há com certeza excepções altruístas, ocasionais ou reincidentes, mas
em geral é cada um por si. A nossa decisão muitas vezes não tem mal nenhum, o
mundo continua todo exactamente como dantes, fica tudo esquecido num instante.
Mas há decisões que afectam toda a vida de terceiros, de alto e baixo, e
durante anos. Quem dispõe com impiedade da vida dos outros está no seu legítimo
direito, mas também ter que ser homenzinho (ou mulherzinha) suficiente para
aguentar o embate. Não falo de vinganças, que é coisa que detesto, ou de
ressentimentos, que talvez sejam ainda piores que a vingança; o que eu digo é
que quem dá uma navalhada tem de estar disposto a conviver com a cicatriz na
cara de quem esfaqueou. Seria grotesco que protestasse contra a cicatriz, por
inestética e ofensiva, quando segurou a arma branca que rasgou o rosto alheio.
A impiedade da decisão tem de ser obrigada a conviver com a impiedade dos
resultados da decisão. É um espectáculo lamentável? Ah, só reparaste agora?
Pedro Mexia
Comments